O verdadeiro gargalo de "Engenheiros"
Abrir mais vagas não adianta, nossos
alunos têm limitações. A maioria não tem habilidades mínimas em matemática. O
resultado é a evasão dos cursos
Entre as questões em debate em educação, destaca-se
hoje a quantidade de profissionais em áreas de ciência e tecnologia.
Muitos propõem formar mais engenheiros e mais
professores de química e física criando vagas no ensino superior para essas
carreiras.
Essas propostas são importantes, mas não levam em
consideração limitações dos alunos.
O que de fato limita a qualidade e o número de
formandos nas áreas de ciências exatas e tecnológicas? Dados do Pisa (Programa
Internacional de Avaliação de Estudantes) apontam que a maior restrição está no
número de jovens com habilidades mínimas em matemática.
Os resultados de avaliações internacionais tendem a
repercutir entre nós apenas pela constatação de que estamos nas últimas
colocações. Mas o Pisa vai muito além: fornece dados valiosos sobre o
desempenho dos jovens de 15 anos.
O exame de 2009 foi feito por aproximadamente 470
mil alunos de 15 anos pelo mundo. A amostra representa 26 milhões de alunos de
65 países. Cada exame avalia três áreas -leitura, matemática e ciências- e
estabelece seis níveis de competência.
Para uma ideia do que significa um aluno estar em
cada um desses níveis (ou abaixo de todos), veja ao lado exemplos de questões
similares às aplicadas em matemática.
Os dados mostram que 88,1% dos alunos não chegam ao
nível 3 -não sabem, portanto, ler gráficos. Além disso, 96,1% não conseguem
explicar o que ocorre numa troca de moeda se a taxa mudar. Mais do que
impossibilitados de estudar economia, poderiam ser enganados com facilidade em
qualquer outro país.
A distribuição limita o percentual dos nossos
jovens em áreas que exijam competências mínimas em matemática, classificados do
nível quatro para melhor. Só 3,8% dos participantes brasileiros do Pisa
alcançaram esse desempenho.
Considerando que a população de jovens com 15 anos
no Brasil é de aproximadamente 3,2 milhões, teríamos, no máximo, cerca de 122
mil jovens aptos para às carreiras de exatas. Esse número ainda cai no final do
ensino médio, porque evidentemente há estudantes com habilidades mínimas que
optam por outras carreiras profissionais.
Em 2011, o Ministério da Educação anunciou que
dobraria as vagas de engenharia. Mas, em 2009, os 1.500 cursos existentes
ofereciam 150 mil vagas ao ano, tinham 300 mil matriculados (embora as vagas
permitissem até 750 mil, já que o curso dura cinco anos) e formaram 30 mil.
Uma alta evasão, para a qual contribui o déficit de
habilidade matemática que o Pisa evidencia. Com conhecimentos tão pequenos de
matemática, não surpreende que os alunos tenham dificuldades já no ensino
médio. Um exemplo: para acompanhar gráficos nas aulas de física.
A Austrália tem 38,1% dos seus alunos no nível
quatro ou superior na avaliação de matemática do Pisa; o Canadá, 43,3%; a
Coreia do Sul, 51,8%. O Brasil tem 3,8%. Esses países têm proporcionalmente
pelo menos dez vezes mais alunos aptos para as áreas de exatas e tecnológicas.
Mesmo com uma população bem menor, a Coreia pode formar muito mais engenheiros
do que nós.
A política educacional dos últimos 20 anos tem sido
colocar os alunos na escola, uma etapa importante. Hoje, o desafio é melhorar,
e muito, a qualidade do ensino fundamental. No momento em que se discute um
novo Plano Nacional de Educação, deveríamos propor ações concretas para atacar
a raiz do problema.
FERNANDO PAIXÃO, 63 físico, é
professor do Instituto de Física Gleb Wataghin da Unicamp
MARCELO KNOBEL, 44, físico, é
professor do Instituto de Física Gleb Wataghin e pró-reitor de graduação da
Unicamp
Onde estão nossos engenheiros?
Enquanto mais de 80% da alta burocracia chinesa é
formada de engenheiros, no Brasil não devem ser 10%
Dada a necessidade premente de investimentos
na infraestrutura, o governo Dilma decidiu conceder à iniciativa privada os
principais aeroportos brasileiros, e, em seguida, estradas de rodagem e
ferrovias.
Não há garantia de que os serviços passem
agora a ser realizados com mais eficiência. O mais provável é que custarão mais
caro, porque as empresas terão condições de transferir para os usuários suas
ineficiências e garantir seus lucros.
Por que, então, a presidente Dilma Rousseff
tomou essa decisão? Não foi porque faltem recursos financeiros ao Estado, já
que caberá ao BNDES financiar grande parte dos investimentos. Nem porque
acredite na "verdade" de que a iniciativa privada é sempre mais
eficiente.
Não obstante, foi uma decisão correta, porque
falta capacidade de formulação e de gestão de projetos ao governo federal. Ou,
em outras palavras, porque faltam engenheiros no Estado brasileiro.
Há advogados e economistas de sobra, mas
faltam dramaticamente engenheiros. Enquanto mais de 80% da alta burocracia
chinesa é formada por engenheiros, no Brasil não devem somar nem mesmo 10%.
Ora, se há uma profissão que é fundamental
para o desenvolvimento, tanto no setor privado quanto no governo, é a
engenharia. Nos setores que o mercado não tem capacidade de coordenar são
necessários planos de investimento, e, em seguida, engenheiros que formulem os
projetos de investimento e depois se encarreguem da gestão da execução.
Mas isto foi esquecido no Brasil. Nos anos
neoliberais do capitalismo não havia necessidade de engenheiros. Contava-se que
os investimentos acontecessem por obra e graça do mercado. Bastava privatizar
tudo, e aguardar.
A crise da engenharia brasileira começou na
grande crise financeira da dívida externa dos anos 1980. No início dos anos
1990, no governo Collor, o desmonte do setor de engenharia do Estado
acelerou-se. Dizia-se então que estava havendo o desmonte de todo o governo
federal, mas não foi bem assim.
Há quatro setores no governo: jurídico,
econômico, social e de engenharia. Ninguém tem força para desmontar os dois
primeiros; seria possível desmontar o setor social, mas, com a transição
democrática e a Constituição de 1988, ele passara a ser prioritário. Restava o setor
de engenharia -foi esse o setor que se desmontou enquanto se privatizavam as
empresas.
Quando fui ministro da Administração Federal
(1995-98) isso não estava claro para mim como está hoje. Eu tinha uma intuição
do problema e, por isso, planejei realizar concursos parciais para a carreira
de gestores públicos que seriam destinados a engenheiros na medida em que as
questões seriam de engenharia, mas acabei não levando a cabo o projeto.
Quando o governo Lula formulou o PAC,
reconheceu que os setores monopolistas necessitavam de planejamento, mas não
tratou de equipar o Estado para que os projetos fossem realizados. Agora o
problema está claro. Fortalecer a engenharia brasileira nos três níveis do
Estado é prioridade.
A criação da empresa estatal de logística é um
passo nessa direção. O Brasil e seu Estado precisam de engenheiros. De muitos.
Vamos tratar de formá-los e prestigiá-los.